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EditorialSetembro-Outubro 2016 | Volume 45 — Número 5
As Perturbações Depressivas em cuidados de saúde primários
José Mendes Nunes* As Perturbações Depressivas (PD) são frequentes na população. Calcula-se que numa população de 1000 habitantes, 130 tem depressão, 80 recorrem ao médico de família (MF), em 31 é feito o diagnóstico e 7 são referenciados para os cuidados de saúde secundários. A probabilidade de ser referenciado é maior nos resistentes aos antidepressivos (AD), casos graves (risco de suicídio), mais jovens (menos de 35 anos) e mulher só.(1) A PD é mais frequente no género feminino, contudo a mortalidade por suicídio é maior no masculino. Entre as diversas explicações para este paradoxo, saliento a possibilidade de a depressão no homem ser relativamente subdiagnosticada. Os critérios de diagnóstico da PD não são totalmente sobreponíveis entre a CID-10 e a DSM, mas para a prática de MGF isto não me parece ser clinicamente relevante. Já importante pode ser o fato de a depressão no homem se exprimir de modo diferente da mulher, e os critérios de PD estão mais adaptadas à depressão na mulher e não tanto à no homem. Por exemplo, na mulher a depressão manifesta-se por inibição, sintomas de culpabilidade e baixa autoestima, enquanto que no homem predomina a agressividade, a sensação de incompreensão e a externalização da culpa. Outro problema com relevância clinica relacionado com a PD e extensível à generalidade das perturbações mentais, é o ser vista como uma entidade nosológica discreta. Ora, a PD deve ser vista como uma teoria que procura explicar o sofrimento do doente e não como uma entidade com existência própria. Como qualquer teoria, só se justifica enquanto for útil e, aqui, a utilidade é totalmente centrada no doente. Portanto, o diagnóstico de PD só se deve manter enquanto for útil para o doente. Deve-se evitar transformá-lo numa condição ad aeternum e assumir que a sua remissão é a regra e não a exceção. A terapêutica farmacológica não deve ser vista como obrigatória e muito menos como abordagem única. Contudo, frequentemente se considera como critério de qualidade do tratamento da PD estar medicada com antidepressivo. Quando uma pessoa sofre uma fratura, por exemplo da tíbia, o membro inferior é imobilizado com uma tala até à formação do calo ósseo. Quando este se encontra consolidado, a tala é retirada e, muito frequentemente, o doente sente diminuição da força, com alguma atrofia muscular, podendo exigir até terapêutica com agentes físicos para recuperar a função. Ora, os antidepressivos funcionam como a tala, só que aqui é para o tratamento de “fratura da alma” e, à semelhança, só devem ser mantidos até o doente mobilizar os recursos que permitam a sua recuperação. Sublinha-se que a terapêutica da PD com psicofármacos nem sempre é necessária e existem outros recursos terapêuticos igualmente viáveis. A terapêutica com psicofármacos parece ser mais efetiva quando faz parte de uma intervenção mais complexa.(2) Um dos fatores que está fortemente associado á melhoria do quadro depressivo é a possibilidade de o doente poder escolher a sua terapêutica;(3) assim, é fulcral oferecer ao paciente um menu de abordagens terapêuticas possíveis e ajudá-lo a fazer a sua escolha. Embora as decisões em Medicina sejam tomadas em contextos de elevada incerteza, pelo que não se deve dizer “sempre” nem “nunca”, no caso da terapêutica das PD podemos assumir como verdade o aforismo: “nem sempre antidepressivo e nunca apenas antidepressivo”.(4) De fato, não deve haver terapêutica com psicofármacos sem o apoio psicoterapêutico, a prestar pelo MF ou por alguém a quem delega. Neste aspeto, a integração de cuidados de saúde mental ainda tem um longo caminho a percorrer para ser uma realidade e existe uma evidente incongruência na politica dos sistemas de saúde que, se por um lado, tem campanhas contra a estigmatização do doente mental, pelo o outro, o seu comportamento diz exatamente o oposto. E, como em tudo, entre o que é dito e o que é feito, o que persiste é o que é visível, neste caso é o comportamento. Exemplificando, ao doente com diabetes é oferecida a possibilidade de ser cuidado por uma equipa (médico e enfermeiro) para o doente com perturbação mental (v.g. com depressão) não tem uma equipa equivalente (médico e psicólogo ou outro profissional equivalente). Pode-se invocar muitas justificações para esta diferença de tratamentos, mas não deixa de ser um indicio de estigmatização dos próprios sistemas de saúde. As USF estão feridas deste pecado mortal quando limitam a sua composição a “medicina geral e familiar, de enfermagem e administrativas”. As USFs devem evoluir para incluir outro tipo de profissionais, a começar por profissionais de saúde mental a trabalharem integrados na equipa “multidisciplinar”. A integração dos cuidados de saúde é importante por muitos motivos a começar por não haver saúde sem saúde mental. Referências bibliográficas 1. Fleury M-J, Imboua A, Aubé D, Farand L, Lambert Y. General practitioners’ management of mental disorders: a rewarding practice with considerable obstacles. BMC Fam Pract [Internet]. BioMed Central Ltd; 2012;13(1):19. Available from: http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=3355055&tool=pmcentrez&rendertype=abstract 2. Dawson MY, et al. Is remission of depressive symptoms in primary care a realistic goal? A meta-analysis. BMC Family Practice 2004;5:19. Doi:10.1186/1471-2296-5-19. 3. Christensen H, Griffiths KM, Gulliver A, Clack D, Kljakovic M, Wells L. Models in the delivery of depression care: a systematic review of randomised and controlled intervention trials. BMC Fam Pract. 2008;9:25. 4. National Institute for Health & Clinical Excellence. The Treatment and Management of Depression in Adults (Updated Edition). The British Psychological Society & The Royal College of Psychiatrists 2010. *Assistente Graduado Sénior da USF Carcavelos (ACES de Cascais) Professor Auxiliar convidada da UC de MGF da NOVA Medical School / Faculdade de Ciências Médicas |