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Editorial

Julho-Agosto 2020 | Volume 49 — Número 4

Tempos de pandemia

Edmundo Bragança de Sá

A D. Maria Joaquina é minha utente há 29 anos, tantos quantos os anos que presto cuidados de saúde a esta lista de utentes em Vila Verde de Ficalho. Já não vinha à consulta desde o final do ano passado e, como então dizia sempre, “agora já fazia algum tempo que não vinha ver o Sr. Doutor” (mesmo que fosse só 1 mês antes). Mas desta vez tinha razão porque muito havia mudado desde a sua última consulta. Estava habituada a entrar sem barreiras no Centro de Saúde e a fazer um pouco de “sala” com os outros utentes. Mas agora estranhou. Na sala de espera estavam apenas 2 pessoas, cada uma no seu canto, ambas com uma máscara na face. A funcionária logo lhe perguntou: não tem tosse, nem febre, nem... e em seguida pediu-lhe para desinfetar as mãos e colocar uma máscara. Mais tarde, quando entrou no consultório, habituada a uma calorosa saudação e a um beijinho ouviu um abafado cumprimento e um “ fique aí onde está a cadeira” a quase 1 metro e meio de mim. Definitivamente a D. Maria Joaquina não estava preparada para tal, muito menos vindo de mim, que considerava fazer parte da sua família, como sempre repetia.
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Confesso que eu também não estou preparado para ter esta atitude de distanciamento dos meus utentes. Quase de um dia para o outro a pandemia da Covid-19 colocou toda a humanidade à prova. Como refere a “Academia Pontifícia para a Vida”(1), a omnipresença do novo coronavírus põe em dúvida todos os nossos padrões de vida habituais e para sobrevivermos à pandemia experimentamos dolorosamente comportamentos paradoxais: colocamos em dúvida quem de nós se aproxima e sentimos o dever de nos afastarmos uns dos outros. No entanto, na minha prática clínica habitual, sinto que cada vez mais é essencial estar próximo das pessoas que me procuram e de quem sou médico de família há tantos anos. Quando penso em Balint, e que “o médico é o primeiro medicamento”, é difícil gerir a toma do medicamento a dois metros de distância e evitando o contacto físico com o utente.

Mais de seis meses decorreram desde que a pandemia começou. As projeções otimistas iniciais e os vaticínios de quem, de uma forma imprudente, imaginava que seria possível conter a expansão do coronavírus falharam perante a evolução explosiva da doença. Com humildade, pudemos constatar que a precariedade e os limites do nosso conhecimento são universais e reais e que nenhum país pode ter a presunção de se considerar maior ou melhor que os outros.(1)

O Professor Thiago Carvalho, Imunologista e Diretor do Programa de Doutoramento da Fundação Champalimaud resumiu na Nature Medicine(2) a investigação biomédica sobre a Covid-19 que neste espaço de tempo decorreu e o que foi alcançado:

Testes clínicos: Os testes RT-PCR em tempo real (reverse transcription-polymerase chain reaction) foram os primeiros a serem dirigidos à deteção do Covid-19 a estarem disponíveis e, embora a sua produção e disponibilidade seja cada vez maior, em muitos países continua a ser um desafio a sua realização em tempo útil. Avanços importantes na realização de testes incluem o desenvolvimento de novos métodos baseados na saliva e a amplificação isotérmica mediada por alça (RT-LAMP) como teste mais rápido e robusto para a deteção do coronavírus. Também prosseguem os avanços no desenvolvimento de testes serológicos fiáveis.

Novas indicações de fármacos: quatro fármacos foram propostos para o tratamento da Covid-19 – o inibidor da RNA polimerase (remdesivir), a cloroquina e hidroxicloroquina, e os inibidores da protéase do HIV (lopinavir e ritonavir) e ainda a associação lopinavir-ritonavir com interferon beta. No entanto, apenas o remdesivir e a dexametasona têm mostrado ser efetivos: o remdesivir tem reduzido o tempo de internamento e a dexametasona reduziu de forma significativa a mortalidade nos doentes com intensa patologia respiratória e que precisavam de oxigénio.

Vacinas: estão a decorrer os ensaios clínicos de várias candidatas a vacinas. Alguns resultados sobre a segurança e imunogenicidade já estão disponíveis com indução de anticorpos específicos embora ainda não se saiba se esta resposta imunológica é eficiente para conferir proteção contra a infeção. A norte americana Moderna está a iniciar os estudos de fase 3 e prevê a comercialização da sua vacina no início de 2021.

Patogénese: ao contrário da identificação do agente, que foi relativamente rápida, compreender a patogenicidade da Covid-19 tem sido muito mais difícil. O quadro clinico mais frequentemente grave da Covid-19 tem sido a insuficiência respiratória, mas existem muitos outros problemas que lhe têm sido associados, designadamente, o acidente vascular cerebral em pessoas jovens, distúrbios neurológicos (sobretudo a anosmia e disgeusia), alterações da coagulação do sangue, Síndrome de Kawasaki em crianças e insuficiência renal. Em relação aos fatores de risco de doença grave a idade é o fator isolado mais importante e existe um nítido aumento da suscetibilidade nos homens. As comorbilidades mais importantes são a diabetes mellitus e a hipertensão arterial. A gravidade da Covid-19 também tem estado associada ao grupo sanguíneo A enquanto o grupo sanguíneo 0 confere proteção moderada. Embora inicialmente se tenha atribuído um mau prognóstico a quem estivesse medicado com um IECA ou um ARA tal associação não se confirmou.

Imunogenicidade – Entre as várias questões levantadas sobre a imunidade ao SARS-Cov2 as mais importantes relacionam-se com o grau de proteção e a sua duração. A associação mais consistente com um nível elevado de anticorpos anti-SARS-Cov2 tem sido com a gravidade da doença e um estudo recente verificou uma queda significativa dos anticorpos três meses após a doença.

Transmissão – Vários estudos têm tentado clarificar a eficácia do confinamento, isolamento social, uso da máscara, identificação dos contactos e outras medidas preventivas não farmacológicas na contenção Covid-19. Ao contrário do que se esperava, a variação climática sazonal não tem influência na transmissão do vírus.

Já no final da consulta a D. Maria Joaquina perguntava, em tom de lamento, quando é que a pandemia iria terminar. Como é óbvio gostaria de lhe puder responder, mas infelizmente tudo permanece ainda muito pouco claro e a minha esperança é que, pelo menos, se vier a surgir uma segunda vaga, estejamos melhor preparados. Por outro lado, não posso deixar de fazer esta constatação: o mundo pôde tomar consciência que todos os povos estão muito próximos e interdependentes uns dos outros. Para o bem e para o mal as consequências das nossas ações individuais recaem sobre todos os outros.(1)

Por isso, mesmo mantendo a distância social e usando a máscara que também esconde uma parte importante da nossa comunicação não-verbal, somos forçados a descobrir novas formas de manter uma relação empática e terapêutica com os nossos utentes evitando atitudes de afastamento que ignoram as suas necessidades e sofrimentos.

Referências bibliográficas
1. PANDEMIA Y FRATERNIDAD UNIVERSAL, Nota sobre la emergencia Covid-19 da Pontificia Academia para la Vida, 30 de marzo de 2020. http://www.academyforlife.va/content/dam/pav/documenti%20pdf/2020/Nota%20Covid19/Nota%20sobre%20la%20emergencia%20Covid-19_ESP_.pdf
2. Thiago, C. COVID-19 Research in Brief: December, 2019 to June, 2020. https://www.nature.com/search?q=COVID19+Research+in+Brief%3A+December%2C+2019+to+June%2C+2020
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