|
EditorialSetembro-Outubro 2023 | Volume 52 - Número 5
Saúde mental nos cuidados de saúde primários
Teresa Ventura Os problemas de saúde mental, tema do simpósio desta edição, ocupam grande parte das consultas de Medicina Geral e Familiar. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a nível mundial, uma em cada oito pessoas vive com algum tipo de problema de saúde mental. Quase 60% dos casos são de ansiedade (31%) e depressão (28,9%), condições que cresceram 26% e 28%, respetivamente, desde a pandemia da covid-19. Os problemas de saúde do foro mental são as principais causas de anos vividos com deficiência (AVD) e representam um em cada seis casos de AVD em todo o mundo.(1) Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) revelam que Portugal é o país com a mais elevada prevalência (23%) de sintomas associados a problemas psicológicos da Europa.(2) Ainda segundo a OMS, 60% das pessoas que vão a consultas a nível dos cuidados de saúde primários (CSP) têm uma perturbação mental diagnosticável. Assim, defende a integração de cuidados de saúde mental neste nível de cuidados, considerando-a a maneira mais viável de assegurar que as pessoas tenham acesso a cuidados de saúde mental quando precisam. A OMS aponta várias vantagens adicionais dessa integração, nomeadamente, e entre outras, o acesso a serviços de saúde mental mais perto da casa da pessoa doente, o que minimizaria a disrupção nas suas atividades quotidianas; a redução dos custos indiretos associados com a procura de cuidados especializados em locais distantes; a minimização do estigma e da discriminação social. Por outro lado, a mesma organização aponta dados que demonstram que a integração de serviços de saúde mental nos CSP gera bons resultados de saúde a custos razoáveis.(3) Não obstante a posição da OMS, e pese embora o número de utentes com diagnóstico de perturbações mentais ter vindo a aumentar em Portugal, o número de consultas de psicologia e de psiquiatria tem vindo a diminuir na maioria das Administrações Regionais de Saúde (ARS), com exceção das ARS do Algarve e do Centro,(2) o que poderá representar dificuldades no acesso dos utentes a cuidados de saúde adequados. No que se relaciona com a psicologia clínica, o número de psicólogos a prestar cuidados de saúde nos CSP apresenta assimetrias entre as regiões de saúde e, em todas as ARS, o número de psicólogos está muito aquém do rácio de 1 psicólogo por 5.000 habitantes definido na Resolução da Assembleia da República n.º 158/2021, de 6 de maio.(2) No que se relaciona com a psiquiatria, somente na ARS do Centro existem psiquiatras nas unidades de CSP. Adicionalmente, a OCDE indica deficiências na articulação entre CSP e cuidados hospitalares na área de saúde mental, havendo necessidade de reforçar essa articulação.(2) Numa posição intermédia, entre a ausência total e a existência de consultas de Psiquiatria nos CSP, são muitos os médicos de família que defendem a consultoria de psiquiatria, a exemplo que que já aconteceu em Sintra. Essa consultoria permitiria aos médicos de família e psiquiatras a orientação conjunta de situações e evitaria referenciações desnecessárias para a psiquiatria. Complementarmente, as reuniões de consultoria teriam forte componente formativo, pois, na partilha de informação, discussão e planeamento de intervenções moldadas a cada caso, todos (médicos de família e psiquiatras) aprenderiam com todos.(4) Pelo atrás exposto, a articulação entre os médicos de família e os psiquiatras tem um longo caminho a percorrer e muito trabalho a desenvolver visando o seu aperfeiçoamento, o que impacta nos casos de doentes que cumprem critérios para cuidados secundários. No entanto, em qualquer circunstância, a maioria dos casos de ansiedade, depressão e insónia será sempre tratada apenas pelos médicos de família, integrando o seu dia-a-dia. Para além dos artigos do simpósio, também as orientações clínicas publicadas nesta edição, Abordagem das perturbações do uso de substâncias: orientações do VA/DoD, bem como um dos artigos extrassimpósio, Utilização de psicofármacos em dermatologia, incidem na área da saúde mental. Esperamos que estes artigos contribuam para fortalecer a adequação dos cuidados na área da saúde mental. Boa leitura! Referências bibliográficas 1. WHO. World Mental Health Report: Transforming Mental Health for All; Executive summary; WHO: Geneva, Switzerland, 2022. 2. Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Acesso aos serviços de saúde mental nos Cuidados de Saúde Primários. Lisboa: ERS; 2023. Disponível em: https://www.ers.pt/media/slzpzdwk/estudo_saude_mental_02-2023.pdf. 3. Organização Mundial de Saúde; Organização Mundial de Médicos de Família (Wonca). Integração da saúde mental nos cuidados de saúde primários: uma perspectiva global. Lisboa: Alto Comissariado da Saúde, Ministério da Saúde. Coordenação Nacional para a Saúde Mental; 2009. 4. Fernandes L, Basílio N, Figueira S, 2 Mendes JM. Saúde Mental em Medicina Geral Familiar – obstáculos e expectativas percecionados pelos Médicos de Família. Cien Saúde Colet 2017; 22(3):797-805. DOI: 10.1590/1413-81232017223.33212016 |