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EditorialSetembro-Outubro 2017 | Volume 46 — Número 5
Controlo da dor: ainda muito por fazer
Isabel Galriça Neto* Para além de uma prioridade clínica fundamental, o controlo da dor crónica e aguda nos nossos doentes constitui uma prioridade ética incontornável. Trata-se de uma realidade transversal a muitas especialidades médicas e convirá assinalar que muitos progressos têm sido feitos em termos de disponibilidade de fármacos para o efeito, de simplificação da legislação enquadradora da sua boa utilização e da formação dos profissionais de saúde nestas matérias. Saudamos por isso a publicação neste número da edição portuguesa da Postgraduate Medicine de três excelentes artigos que visam aprofundar as questões do controlo da dor crónica. Há, no entanto, que fazer muito mais para alcançar maior equidade e intervir activamente no mal-estar em que muitos doentes ainda vivem por via da dor mal controlada. Nessa medida, permito-me neste editorial, e de forma breve, chamar a atenção para algumas questões que devem ser clarificadas. A dor é efectivamente um sintoma muito frequente e transversal a várias patologias. Requer uma formação sólida dos médicos e uma abordagem global da mesma, o que pressupõe ir para além do manejo de fármacos e incluir a ponderação de todos os factores não-físicos que integram o tão conhecido conceito de DOR TOTAL. Assistimos frequentemente a erros de tratamento que decorrem precisamente disso mesmo: o facto de se esquecer o contributo dos factores psicológicos, existenciais e sociais, entre outros, para o sofrimento do doente, e a necessidade de, para serem eficazes nos tratamentos, os médicos terem que ter isso mesmo em atenção. Numa altura em que tanto se tem discutido sobre a necessidade de verdadeiramente intervir no sofrimento dos doentes crónicos, dos doentes em fim de vida, de forma a que ele não se torne insuportável, convirá sublinhar que o controlo da dor não pode, de forma alguma, ser confundido com os Cuidados Paliativos. O controlo dos sintomas – e a dor é seguramente relevante para este grupo numeroso de doentes, mas não será o único – é um dos pilares dos Cuidados Paliativos. Entendemos que cada vez mais se deve ter presente a necessidade imperiosa de não deixar os doentes em sofrimento desnecessário, pois temos hoje meios para intervir activamente nesse sofrimento, através de medidas terapêuticas abrangentes nos Cuidados Paliativos, mas nunca suprimindo aquele que sofre. Entendemos pois, como uma resposta rudimentar e redutora aquela que, através da eutanásia, preconiza que, para intervir activamente no sofrimento dos que estão em fim de vida, se elimine aquele que sofre. Nos Cuidados Paliativos, no sofrimento dos que estão em fim de vida, o controlo da dor é imprescindível, mas não deve nunca ser confundido com a realização de sedação paliativa, de acordo com as boas práticas e recomendações consensuais sobre esta matéria. De ressaltar que a dor não é sequer a principal razão para a realização da sedação e que a ponderação desta intervenção deve ser feita bem fundamentada, e praticada por especialistas nesta área, sendo já hoje a Medicina Paliativa uma competência reconhecida pela Ordem dos Médicos. Emerge assim a necessidade de todos os médicos aprofundarem a sua formação em matéria de dor crónica, de Cuidados Paliativos e de trabalharem em equipa, com outros colegas, com outros profissionais, para de forma sinérgica contribuirmos para a melhoria da Qualidade de Vida dos nossos doentes. Quando não curamos, continuamos a ter muito a oferecer aos que nos procuram para minorar e reduzir activamente o seu sofrimento. Os médicos devem aprofundar a sua formação nestas matérias e responder efectivamente aos milhares de doentes crónicos que os procuram. Oxalá este número da Postgraduate Medicine seja mais um contributo para isso mesmo. *Directora da UCPaliativos do HLuz-Lisboa Presidente da Competência de MPaliativa da Ordem dos Médicos |