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EditorialMarço-Abril 2019 | Volume 48 — Número 2
Um olhar sobre a Asma e DPOC
Ana Cristina Duarte* A Asma e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) são doenças pulmonares progressivas que têm características dinâmicas e desafiantes, fazendo diagnósticos diferenciais entre si e com outras patologias. A Asma é uma doença inflamatória crónica das vias aéreas, frequente e potencialmente grave, que afeta crianças e adultos, e que pode e deve ser controlada com uma gestão adequada da patologia. A Asma, quando não é devidamente controlada, tem um impacto negativo na vida dos doentes, limitando a sua atividade profissional, escolar e social. No entanto, com as múltiplas opções terapêuticas disponíveis, se os doentes asmáticos realizarem o tratamento regular e diário adequado, conseguem ter uma vida perfeitamente normal. Estima-se que a Asma em Portugal tenha uma prevalência de 6,8% da população com um custo per capita de 762€ e um gasto global de 550M€, representando 3% dos gastos do Serviço Nacional de Saúde ocorridos em Portugal no ano de 2010. Na infância, a prevalência da asma em Portugal é de 9-10% (175.000 crianças), tornando-a uma das principais doenças crónicas das crianças. O custo anual específico em Portugal por criança com asma é de 929€ e de 708€ por adulto aumentando este valor para mais do dobro por pessoa com asma não controlada. É uma doença subdiagnosticada e subtratada que atinge cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo e perto de 700 mil pessoas em Portugal. Quase metade dos asmáticos portugueses não tem a doença controlada, representando 43% da população geral e 51% da população em idade pediátrica. Cada 9 em 10 doentes, com asma não controlada, têm uma perceção inadequada do estado, e referem que estão bem, o que pode dificultar a procura de tratamento e controlo. Uma das consequências da não adesão ao tratamento e do mau controlo da asma são as agudizações graves com pioria da qualidade de vida, absentismo escolar e laboral, aumento das consultas médicas, das visitas ao serviço de urgência, do número de internamentos hospitalares e maior mortalidade. A DPOC é uma patologia que evolui ao longo dos anos, limitando as atividades de vida diária do doente, podendo acabar, se não controlada, num quadro de grande incapacidade. É uma doença comum, prevenível e tratável, caracterizada por sintomas respiratórios persistentes e limitação do fluxo aéreo devido a anomalias das vias respiratórias e/ou alveolares, normalmente causadas pela exposição significativa a gases ou partículas nocivas. As pessoas mais atingidas pela doença assumem ou assumiram comportamentos de risco, prevalecendo nos homens com idade superior a 40 anos. O principal fator de risco é o tabagismo, mas outros riscos ambientais, como a poluição do ar e a exposição a combustíveis da biomassa podem também contribuir. Além das exposições ambientais/comportamentais, fatores do hospedeiro predispõem os indivíduos a desenvolver DPOC (anormalidades genéticas, desenvolvimento anormal dos pulmões e envelhecimento acelerado). Os sintomas de alerta são a dispneia, tosse, expetoração e cansaço a esforços progressivamente menores. Além dos sintomas respiratórios podem associar-se comorbilidades como as doenças cardiovasculares, depressão, osteoporose, refluxo gastroesofágico e risco significativo de cancro do pulmão. Nos casos mais graves, a DPOC reduz drasticamente a qualidade de vida ao não permitir a realização das atividades de vida quotidiana, bem como uma menor tolerância ao esforço, acabando o doente por se isolar socialmente de forma progressiva. A DPOC apresenta manifestações insidiosas, com instalação gradual de sintomas muitas vezes desvalorizados quer pelo doente, quer por quem o rodeia, e quer ainda pelo Médico, até à primeira exacerbação. Portanto, recomenda-se a atenção e consciencialização sobre todos os pequenos sinais que se vão manifestando no decorrer do processo de instalação da doença. Segundo a OMS, a DPOC é, atualmente, a 4.ª causa de morte mais frequente no mundo e, de acordo com o Observatório das Doenças Respiratórias, é uma doença que afeta 14,2 % de adultos com mais de 40 anos e, segundo as ultimas estimativas, mais de 800 000 portugueses. É uma doença sub-diagnosticada estimando-se que mais de 86% dos doentes não sabem que a têm. A espirometria – exame complementar crucial para o seu diagnóstico – é realizada em apenas 9,6% dos doentes. Os custos diretos em Portugal ascendem a 366 M€, e os totais a 715 M€. Para além das despesas relacionadas com o SNS refira-se que a DPOC acarreta custos pessoais na mesma ordem de valores em: perda de qualidade de vida, absentismo, perda de produtividade, reformas antecipadas, etc. A mortalidade por DPOC é também relevante, tendo representado em 2016 cerca de 20% de todos os óbitos por doença respiratória, vitimando 2.791 pessoas. A abordagem da DPOC deve ser baseada no consenso GOLD (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) criado em 1998. O documento atual, recentemente revisto, segue o mesmo formato do relatório do consenso original, tendo sido atualizado para refletir as muitas publicações sobre DPOC que surgiram desde 2001. Após a publicação do documento original, em 2001, uma rede de especialistas internacionais conhecidos como “Líderes Nacionais GOLD” foi formada para implementar as recomendações do relatório. Na última revisão destacam-se algumas alterações tais como: o risco aumentado da DPOC em mulheres (queima de combustíveis na cozinha), nos estratos populacionais com menor estatuto económico e em portadores do VIH. Há uma nova referência à importância da eosinofilia no tratamento farmacológico da doença e ao benefício da vacinação antipneumocócica. A prevenção de exacerbações e as novidades em estudos abrangendo os Beta Agonistas de Longa Ação (LABA) e Anticolinérgicos Muscarínicos de Longa Ação (LAMA) também foram incluídas com atualizações de alguns algoritmos. Destaque para a revisão de terapêuticas não farmacológicas invasivas (broncoscopia de intervenção e cirurgia). Alguns estudos (poucos) colocam resultados melhores com LAMA em relação aos LABA, quando em monoterapia. Essa foi a base da recomendação de uso dos LAMA como primeira opção no grupo C. Além disso, no grupo D os autores preferem, desde o início, a associação LAMA/LABA e não a monoterapia, apesar da evidência não ser ainda muito robusta. Foram atualizados algoritmos de atuação na prevenção de exacerbações, especialmente nas associações LABA/LAMA. O mesmo se aplica à terapêutica com oxigénio, à Ventilação Não Invasiva (VNI) e à tele-monitorização. Os corticoides inalatórios (ICS) podem ser uma faca de dois gumes: em alguns doentes reduzem exacerbações, em outros aumentam o risco de pneumonia. O primordial consiste em identificar quais os doentes que deles beneficiam. Estudos sugerem que pacientes com componente alérgico ou asmático (DPOC/ASMA Overlap syndrome) e aqueles com eosinofilia são os candidatos ideais aos ICS. O especialista em Medicina Geral e Familiar tem um papel de primeira linha e fundamental na identificação das pessoas com estas doenças. Cabe-lhe ainda, em articulação com a especialidade de Pneumologia, a implementação da estratégia mais adequada de controlo e tratamento para cada doente. Só assim se estabilizará a doença, a sintomatologia diurna e noturna, se prevenirá o aparecimento de agudizações com a consequente melhoria da qualidade de vida para que os doentes se mantenham fisicamente ativos. *Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia do Hospital Distrital de Beja Bibliografia GLOBAL INITIATIVE FOR ASTHMA POCKET GUIDE FOR HEALTH PROFESSIONALS 2018 Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) 2019 Report OBSERVATÓRIO NACIONAL DAS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS 13º Relatório 2018 Fundação Portuguesa do Pulmão - DPOC. A doença respiratória do século XXI |