EditorialSetembro 2015 | Volume 44 — Número 2
“Sobre o cuidado da casa comum”
Edmundo Bragança de Sá O tempo de férias, de que acabámos de sair, é também um tempo em que temos maior disponibilidade interior para contemplar a natureza e descobrir o valor das pequenas coisas que nos rodeiam. Foi assim que, com indignação, na minha caminhada matinal à beira mar numa das praias do Algarve fui dando conta da enorme quantidade de plásticos (garrafas, sacos, copos e outros objetos descartáveis) que o mar devolvia à terra e que diariamente nesses quinze dias de férias eram renovados. Nem de propósito a segunda carta encíclica do Papa Francisco, denominada de Laudato Si (Louvado Sejas) publicada em maio deste ano, faz uma reflexão profunda sobre as diversas questões que afetam o planeta (“a nossa casa comum”, como lhe chama o Papa): a poluição e as mudanças climáticas, a trágica migração dos povos em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, o esgotamento dos recursos naturais e, em particular, da qualidade da água disponível para os pobres e a perda da biodiversidade, incluindo o desaparecimento anual de milhares de espécies vegetais e animais e organismos marinhos. Como diz o Papa nesta encíclica: “tendo presente que o ser humano também é uma criatura deste mundo e que para além de ter direito a viver e a ser feliz possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos nefastos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descartável sobre a vida das pessoas.… Nota-se hoje o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornam pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas mas também ao caos urbano, aos problemas de transporte e à poluição visual e acústica. Muitas cidades são grandes estruturas que se apresentam congestionadas e desordenadas, sem espaços verdes suficientes e com gastos excessivos de água e energia.…Em alguns lugares rurais e urbanos a privatização dos espaços tornou difícil o acesso dos cidadãos a áreas de especial beleza; noutros, criaram-se áreas residenciais ecológicas postas à disposição só de poucos, procurando-se evitar que outros perturbem uma tranquilidade artificial”. Nesta encíclica, o Papa Francisco reconhece que a propósito da degradação simultânea do ambiente natural e do ambiente humano “desenvolveram-se diferentes perspetivas e linhas de pensamento: Num dos extremos, alguns defendem a todo o custo o mito do progresso, afirmando que os problemas ecológicos se resolverão com novas aplicações técnicas, sem considerações éticas nem mudanças de fundo. No extremo oposto, outros pensam que o ser humano, com qualquer uma das suas intervenções, só pode ameaçar e comprometer o ecossistema mundial”. Entre estes extremos, acrescenta o Papa, há espaço para uma variedade de contribuições que deveriam entrar em diálogo e unir a todos na defesa de uma ecologia integral que inclua a dimensão ambiental, humana e sociocultural. Com este editorial, quis apenas tentar abrir o apetite dos colegas para a leitura deste texto riquíssimo da encíclica Laudato Si, certo do impacto que ela vai ter sobre o nosso comportamento e as nossas atitudes não só na forma como olhamos “a nossa casa comum” mas também na forma como lidamos com as pessoas que nos rodeiam e em particular com os utentes que nos procuram. Tal como a encíclica, termino com este belo canto de S. Francisco de Assis: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que a todos nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras...” |