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EditorialMarço-Abril 2022 | Volume 51 - Número 2
O doente é o recurso terapêutico mais ignorado
José Mendes Nunes As infeções pelo vírus SARS-Cov2 trouxeram o aumento do peso dos problemas respiratórios nos cuidados de saúde primários e hospitalares. A COVID-19 é exemplo do aforismo: a clínica deve prevalecer sobre os exames (analíticos e imagiológicos). O artigo “Interpretar os testes de diagnóstico do SARS-CoV-2” é paradigmático desta realidade: apesar da negatividade ou positividade de um teste, as queixas do doente são mais importantes para o diagnóstico e, claro, para a decisão terapêutica. Com efeito, são os sintomas referidos pelo doente que classificam a gravidade da doença e definem a infecciosidade. Como é dito no texto “um resultado de teste negativo não deve excluir a doença quando a probabilidade de pré-teste é elevada”. Concluímos que os doentes (com as suas queixas) são o “original” e os exames complementares são “cópias”. Creio que todos preferimos os originais às cópias ou, ainda, no dizer de William Osler, “escuta o teu doente e ele dir-te-á o diagnóstico”. A asma é uma patologia frequente nos cuidados de saúde primários e, na maioria dos casos, aqui deve ser tratada, embora contando com a colaboração do pneumologista, sempre com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Também na DPOC, o grande objetivo é controlar a doença de modo a não ter exacerbações e preservar a qualidade de vida. A asma e a DPOC são exemplos em que o objetivo é o empoderamento do doente, i.e., capacitar e dar poder para gerir a seu problema de modo a que o clínico se torne, o mais possível, desnecessário para o doente. A obesidade agrava os problemas respiratórios cuja melhoria também depende do controlo ponderal. O texto publicado neste número começa com a recomendação: “criar um ambiente no gabinete onde o doente se sinta confortável. Este é um aspeto frequentemente ignorado. É fundamental que os clínicos reflitam e discutam a forma como abordar a obesidade na consulta, evitando trazer à colação o problema de modo intempestivo e cego para as emoções e sentimentos do doente. O obeso para além de ter excesso ponderal também tem excesso de vergonha. A participação do doente é fundamental para o controlo destas patologias e para a generalidade das patologias crónicas. Nada se faz sem ele e tudo o que se faz é por ele a para ele. Assim, o doente é o principal recurso terapêutico, infelizmente, o mais ignorado. |