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EditorialSetembro-Outubro 2020 | Volume 49 - Número 5
A influência da COVID-19 nas perturbações neuropsiquiátricas
João Sá Monteiro* A saúde mental é parte integrante da saúde, bem mais do que a ausência de transtornos mentais, sendo determinada por vários fatores socioeconómicos, biológicos e ambientais. Na verdade, não há saúde sem saúde mental. As perturbações neuropsiquiátricas e os problemas relacionados com a saúde mental têm-se tornado na principal causa de incapacidade e uma das principais causas de morbilidade, principalmente nos países ocidentais industrializados. A Federação Mundial de Saúde Mental instituiu, em 1992, o Dia Mundial da Saúde Mental, dia 10 de outubro, com o objetivo de promover e aumentar o conhecimento público acerca da temática, bem como chamar a atenção pública para a questão da saúde mental global. Em 2010, a evidência sugeria que as perturbações depressivas eram a terceira causa de doença a nível mundial e a primeira nos países desenvolvidos. Por outro lado, estima-se que em 2030 venham a ser a primeira causa de doença a nível mundial, com agravamento considerável da taxa de suicídio. Portugal tem uma das mais elevadas prevalências de doença mental da Europa. Nos últimos 20 anos, várias epidemias virais, como a síndrome respiratória aguda grave (2003), influenza H1N1 (2009), a síndrome respiratória do Médio Oriente (2012), a doença pelo vírus Ébola (2014), levantaram questões sobre o impacto psicológico do aumento da carga de trabalho, necessidade de proteção pessoal e receios de infeção nos profissionais de saúde e suas famílias. Em dezembro de 2019, ocorreu o surto da infeção pelo novo coronavírus (COVID-19) em Wuhan, China, que rapidamente se disseminou por todo o globo. A quarentena e o isolamento são medidas de saúde pública úteis para impedir a transmissão de doenças infeciosas na população, o que levou a comunidade científica a promovê-los, juntamente com as medidas de proteção individual (como a lavagem das mãos e o uso de máscara) que podem proteger a saúde e salvar vidas. Embora as medidas referidas, em especial o isolamento, sejam adotadas para proteger a saúde física, é essencial considerar as potenciais implicações na saúde mental para aqueles que são submetidos a essas restrições. Revisões recentes da literatura são consistentes em identificar a ansiedade e depressão como os problemas mais frequentemente associados a períodos de quarentena e isolamento. Há ainda outras situações prevalentes, como a baixa autoestima, as alterações do humor, as fobias, a insónia, a estigmatização e o stresse pós-traumático. São importantes fatores de risco para eventos psicológicos adversos a intensidade de contacto com os infetados, ter filhos pequenos, familiar(es) infetado(s), ser solteiro, o género feminino, a idade jovem, o baixo nível socioeconómico e de escolaridade, a baixa perceção de autoeficácia, a história de problemas de saúde mental e/ou o abuso de substâncias. É ainda de salientar os efeitos da quarentena na saúde mental e bem-estar dos profissionais de saúde. Nestes, os fatores que constituem risco para a saúde mental, consistem sobretudo na menor experiência profissional, a baixa perceção de suporte organizacional, a falta de treino adequado e de confiança no controlo de infeção, sendo ainda influenciada pela ausência de compensação pelo desempenho. Em relação às categorias profissionais, a enfermagem é a mais afetada. Os problemas mais frequentes incluem reação aguda ao stresse, exaustão, desapego, ansiedade, depressão, insónia, deterioração do desempenho no trabalho, abuso de álcool e stresse pós-traumático. Nos tempos que vivemos nunca foi tão importante a prevenção quinquenária, que pretende prevenir o dano para o paciente atuando no médico e evitando fenómenos de burnout. Estudos retrospetivos revelam que os impactos da quarentena e do isolamento continuam por um período mais longo. Tais efeitos foram encontrados em doentes, cuidadores informais e profissionais de saúde, indicando que a dinâmica psicossocial complexa ocorre entre as principais partes interessadas no processo de quarentena ou isolamento, que provavelmente serão afetados e terão resultados negativos na saúde mental. Com a desaceleração da pandemia, é altura de encararmos e nos prepararmos para as consequências diretas e indiretas: complicações decorrentes de infeções por COVID-19, dificuldades no tratamento por prevenção inadequada, doenças crónicas não controladas, doença mental e maiores necessidades sociais. A conscientização é um dos principais determinantes da saúde mental entre indivíduos e populações. É essencial reconhecer o papel do conhecimento e das atitudes em relação à saúde mental, especialmente durante a quarentena e o isolamento, o que pode contribuir para a redução da estigmatização e promover a resiliência a problemas psicossociais. No entanto, a saúde mental global continua a ser um domínio em desenvolvimento nas ciências da saúde, o que significa que há pouca informação disponível sobre como instituições e partes interessadas globais podem contribuir juntas para melhorar os resultados da saúde mental entre diversos grupos populacionais. Bibliografia 1. Kisely S, Warren N, McMahon L, Dalais C, Henry I, Siskind D. Occurrence, prevention, and management of the psychological effects of emerging virus outbreaks on healthcare workers: rapid review and meta-analysis. BMJ. 2020;369:m1642. 2. Hossain MM, Sultana A, Purohit N. Mental health outcomes of quarantine and isolation for infection prevention: A systematic umbrella review of the global evidence. Epidemiol Health. 2020;42:e2020038. 3. Programa Nacional Para a Saúde Mental. DGS, 2017 https://www.dgs.pt/portal-da-estatistica-da-saude/diretorio-de-informacao/diretorio-de-informacao/por-serie-883589-pdf.aspx?v=%3D%3DDwAAAB%2BLCAAAAAAABAArySzItzVUy81MsTU1MDAFAHzFEfkPAAAA *Interno do 4.º ano do Internato Médico de MGF. USF S. Julião, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras, ARS LVT |