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EditorialNovembro-Dezembro 2017 | Volume 46 — Número 6
Inércia Clínica na Diabetes
Vitória Duarte* A prevalência de Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) está a aumentar globalmente. É estimado que 1 em cada 11 adultos tenha DM2. Segundo dados do Observatório Nacional da Diabetes (OND) referentes a 2015, a sua prevalência em Portugal ronda os 13%, o que equivale a mais de um milhão de portugueses. A Federação Internacional da Diabetes (FID) já a considera a ‘pandemia do século XXI’, pelo que se têm desenvolvido esforços no sentido de prevenir e combater esta doença. A adoção de estilos de vida saudáveis por parte da população constitui a melhor forma de prevenção. Para o clínico, é pertinente conhecer e adotar as “guidelines” atuais para o seu controlo. O papel da hiperglicemia crónica no desenvolvimento de complicações microvasculares da diabetes, como nefropatia, retinopatia e neuropatia, está hoje bem documentado. No entanto, o seu efeito nos eventos macrovasculares ainda não é consensual. O principal parâmetro de controlo glicémico é a HbA1C. Numa meta-análise de 2013, foi demonstrado que cada aumento de 1% na HbA1C estaria associado a um aumento de 25% na mortalidade cardiovascular, 15% no risco de doença arterial coronária e 11% no risco de AVC. A Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda uma HbA1C alvo < 7% para a maioria dos doentes adultos e sugere uma estratégia gradual de reforço terapêutico. Na prática clínica é muitas vezes necessário iniciar o tratamento com uma combinação de fármacos, evitando a monoterapia que não permita atingir o objetivo proposto. Estas são também as orientações seguidas pela Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD). Mais recentemente, Ismail-Beigi et al publicaram alvos terapêuticos tendo em conta a idade, a fragilidade, o contexto social e presença de complicações macro e microvasculares. Porém, apesar desta individualização terapêutica, grande percentagem dos doentes não consegue atingir o seu alvo estabelecido. A Inércia Clínica (IC) é definida como a resistência para iniciar ou intensificar terapêutica num doente que não está no seu alvo terapêutico. Este é um problema comum em doenças crónicas e assintomáticas como a hipertensão arterial, dislipidemia e DM2. Como interna de Endocrinologia, preocupa-me a inércia na Diabetes, que pode resultar em anos de hiperglicemia não controlada. As causas de inércia incluem atrasos razoáveis ou inaceitáveis por parte do médico e má adesão por parte do doente. Estará indicado intensificar terapêutica num doente que sabemos não ser cumpridor? Ou iniciar insulinoterapia num idoso sem capacidade ou autonomia para a sua administração? Já o medo de ‘agulhas’, ‘baixas de açúcar’ e ganho de peso por parte do doente pode levar a uma pobre adesão terapêutica. Todos estes fatores podem atrasar a decisão do clínico em reforçar a terapêutica. A identificação de preditores de inércia clínica pode ajudar a criar estratégias para prevenir atrasos na intensificação terapêutica que levam a um pobre controlo metabólico. Estudos internacionais publicados recentemente revelam percentagens elevadas de IC. Gonzalez-Clemente (2013) descreve valores de 50% e Lin (2016) de até 70%. Em Portugal (Silva, 2016) foi realizado um estudo com o objetivo de avaliar a inércia clínica e seus preditores no tratamento da DM2 num Hospital Militar. Os fatores que em conjunto se associaram a uma maior inércia foram diabetes de longa duração, valores mais perto do alvo e complexidade do tratamento. Mathieu et al (2013) avaliaram a inércia clínica em várias regiões do globo, com resultados alarmantes. Por um lado, constatou-se a alta prevalência global de inércia. Por outro, verificou-se que o valor médio de HbA1c a partir do qual se adicionou um segundo antidiabético oral foi consistentemente mais elevado que a recomendação consensual de 7% (7,9% na Europa). Como podemos combater tais resultados? É essencial estabelecer metas realistas e incentivar um bom manejo na doença precoce. A realização de auditoria clínica, avaliando o tratamento dos doentes tanto em ambulatório como em internamento, permite refletir acerca da nossa atitude interventiva. A gestão destes doentes e as suas complicações deve ocorrer preferencialmente no contexto de ambulatório, numa articulação planeada entre as especialidades de MGF, Endocrinologia e Medicina Interna. Sugerem-se novos estudos com o objetivo de calcular a prevalência real de inércia clínica, não só na DM2, em cuidados de saúde primários e hospitalares em Portugal. A cada um de nós cabe combater esta inércia terapêutica e atitude conservadora, sem receios, em prol de bons resultados no tratamento da pessoa com diabetes. *Interna de Endocrinologia do Hospital das Forças Armadas |