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EditorialSetembro-Outubro 2022 | Volume 51 - Número 5
Tornar a saúde mental e o bem-estar uma prioridade global
José Mendes Nunes No dia 10 de outubro celebrou-se o dia Mundial da Saúde Mental sob o auspício da OMS com o lema “Tornar a saúde mental e o bem-estar para todos é uma prioridade global” (Make mental health & well-being for all a global priority). A saúde mental sempre foi o parente pobre dos sistemas de saúde. A pandemia do Covid-19 agravou a situação. Segundo a OMS, as perturbações mentais, como a depressão e ansiedade, aumentaram em 25% no primeiro ano de pandemia. Contudo os serviços de saúde mental foram descontinuados agravando o impacto do sofrimento mental. Por outro lado, o estigma e a discriminação dos problemas mentais mantêm-se e os serviços e os profissionais de saúde, com a sua organização e comportamentos disfuncionais, continuam a ser os primeiros a estigmatizar as pessoas com sofrimento mental. Neste contexto, assume particular pertinência e importância a consagração deste número da Postgraduate Medicine à saúde mental. Aqui abordamos os sintomas somáticos, seguindo uma tradução literal adotámos a designação de “perturbação de sintomas somáticos”, mas ela pode ser vista como sinónimo de “sintomas somatoformes”, “síndrome de desconforto corporal” (bodily distress symptoms) ou MUPS (multiple unexplained physical symptoms). Seja qual for a designação o que está em causa são os pacientes com sintomas, mas em quem não encontramos qualquer doença. Portanto, tem dolência, mas não tem doença. O que é indiscutível é que têm sofrimento, precisam de ajuda e têm elevado risco de iatrogenia. Estas perturbações mentais são da responsabilidade do médico de família (MF) sem prejuízo de pedir a colaboração de outras especialidades. A primeira tarefa na abordagem destes pacientes é procurar estabelecer uma efetiva relação doente-médico e o objetivo é recuperar a funcionalidade, apesar da persistência dos sintomas. O diagnóstico precoce das perturbações mentais e a atenção aos cuidadores são atribuições inalienáveis do MF. O facto de o MF conhecer os seus utentes ao longo dos anos, faz dele o maior conhecedor do seu paciente o que lhe permite reconhecer precocemente qualquer alteração do estado mental cujo diagnóstico precoce pode ter profundo impacto no prognóstico. Para além disso, os cuidadores são elementos vitais da equipa prestadora de cuidados. Os cuidadores talvez sejam o recurso de saúde mais ignorado que importa valorizar, cuidar e apoiar de modo a garantir o seu bem-estar e do paciente a seu cargo. Lidar com as “baixas”, ou certificados de incapacidade temporária (CIT), é um problema bicudo para o MF e muito pouco abordado na sua formação. Com efeito, a emissão de um CIT é um procedimento com repercussões económicas para o paciente e para a sociedade. Uma boa parte dos CIT são gerados por contextos psicossociais e têm impacto psicossocial. A sua emissão na sequência de um problema físico e objetivo é relativamente simples, mas se a esse diagnóstico se associam fatores psicossociais complicados ou se são totalmente desta natureza a abordagem torna-se muito difícil e o MF vê-se confrontado com situações que vão do laxismo ou confronto direto com o paciente. São situações que facilmente destroem uma relação que muitas vezes levou anos a construir. Para as abordar o MF precisa de possuir formação e segurança no uso de técnicas de intervenção motivacional e assertividade. Com o desejo que este tipo de formação seja levado a sério nos curricula da especialidade, lembramos a importância de cada MF cuidar da sua saúde mental, porque não há saúde sem saúde mental e a sua saúde é um bem social, porquanto se este não tiver saúde não só a sociedade perdeu um bem como pode representar um perigo para a saúde pública. |