EditorialJaneiro-Fevereiro 2016 | Volume 45 — Número 1
Não há saúde sem saúde mental
Rita Viegas* Saúde mental é poder amar e trabalhar; amar no sentido incondicional que o verbo exige e trabalhar no sentido de criar, sendo ao mesmo tempo útil e produtivo. (Sigmund Freud) O conceito de saúde mental fica aquém da ausência de doença psiquiátrica e compreende as múltiplas dimensões relacionadas com o bem estar do ser humano a nível físico, mental e emocional, laboral, social e familiar. A vivência de emoções negativas no quotidiano não significa doença, mas esta aceitação é complexa. A pressão da “saúde” resulta na tendência de medicar situações que, a priori, não necessitam de terapêutica farmacológica e que representam momentos chave para a estruturação da cognição interna e da resiliência do indivíduo. As doenças psiquiátricas graves significam vulnerabilidade, redução da autonomia e da capacidade de decisão individual e, em última instância, conduzem a situações de exclusão social e laboral. Acresce o estigma de uma sociedade pouco capaz de integrar e de compreender que a saúde mental é, na sua essência, o cimento da frágil condição humana. O primeiro relatório do Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, publicado em 2013, integrou-se na World Mental Health Initiative, atividade coordenada pela Organização Mundial de Saúde e que decorreu em mais de 30 países de todo o mundo. Em Portugal este estudo foi conduzido pelo Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e estimou uma taxa de prevalência anual para as perturbações do foro psiquiátrico de 23%, só superada pelos Estados Unidos da América (26%) e pela República da Irlanda.(1) A carga global de doença considera para além da mortalidade prematura, a morbilidade e a incapacidade como variáveis implícitas à perda de anos de vida saudável; este conceito mede-se em DALY (Disability Adjusted Life Years – anos de vida ajustados à incapacidade) e, para a população portuguesa, as doenças mentais representam uma carga de doença (11,75%) que sucede as patologias cérebro e cardiovasculares (13,74%) e com maior peso que as doenças oncológicas (10,38%). Se pensarmos em carga de morbilidade, representada pelos anos vividos com incapacidade, (YLD – Years Lived with Disability) as doenças mentais e do comportamento assumem um papel preponderante (20,55%) e ultrapassam, consideravelmente, as doenças respiratórias (5,06%) e a diabetes (4,07%), entidades nosológicas que sobrevêm.(1,2) A compreensão e conhecimento destas ferramentas visa sustentar tomadas de decisão e adequar estratégias e políticas de saúde à nossa realidade. O Programa Nacional para a Saúde Mental foi desenvolvido para apoiar a pessoa com doença mental, os seus cuidadores e para chamar os cidadãos à participação ativa na promoção da saúde. As alterações socioecónomicas, transversais ao nosso país, modificaram drasticamente determinantes sociais e o incremento da pobreza, a instabilidade laboral e a precariedade das condições familiares repercutem-se no bem estar psíquico. Sem intervenções multidisciplinares preventivas, alicerçadas em políticas de saúde viradas para a sociedade, não é real que se possa almejar a promoção da saúde mental. Apesar da reestruturação e implementação dos Programas Nacionais Prioritários, pela Direção-Geral de Saúde (DGS), a articulação entre as equipas comunitárias de saúde mental e os cuidados primários ainda carece de eficiência. Os cuidados primam pela prestação e organização hospitalocêntrica e reformas estruturais, como as implícitas à saúde mental, necessitam de acontecer lentamente e independentes de pressões políticas, para garantir o necessário acompanhamento e integração destes doentes nas comunidades. Em Portugal a sobrecarga causada pelas perturbações depressivas (8,72%) e pelas perturbações da ansiedade (3,69%) é preponderante.(2) A prevalência da depressão major estima-se em 6,8% e a da perturbação bipolar em 1,1%, de acordo com o primeiro estudo epidemiológico nacional. No simpósio desta edição é abordada a Doença Bipolar (DB), uma patologia pouco tratada e pouco reconhecida, apesar da evidência crescente de poder ser abordada pelos médicos de família, desde que sejam transpostos os desafios inerentes ao seu correto diagnóstico e tratamento. Nos doentes com DB é frequente a agregação de comorbilidades médicas e psiquiátricas, com aumento da morbi-mortalidade, potenciadas pelos efeitos metabólicos adversos da terapêutica.(3) Como em qualquer patologia, o objetivo será estabilizar os sintomas, prevenir a recidiva, otimizar a função do indivíduo e a evidência primária elege os estabilizadores do humor e os antipsicóticos atípicos, como terapêutica preferencial, pela eficácia e tolerabilidade demostradas. A evidência científica internacional realça que o prognóstico destas condições é comprovadamente quando a medicação adequada se alia à integração em programas de reabilitação psicossocial.(2) A intervenção farmacológica continua a ser a resposta predominante, mesmo quando não está particularmente indicada, informação relevante para Portugal, um dos países com maior uso de psicofármacos. Apesar do avanço inequívoco que a terapêutica desempenha na melhoria da saúde mental, as intervenções que visam prevenir a doença e a recuperação psicossocial das pessoas devem ser prioritárias. Antes de pegar na caneta para prescrever mais um fármaco é urgente (re)lembrar que a tristeza faz parte da vida e que nem sempre é doença. Referências bibliográficas 1. A Saúde dos Portugueses. Perspetiva 2015. Direção-Geral de Saúde, Lisboa. Julho 2015. Disponível em: https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-de-saude/publicacoes/a-saude-dos-portugueses-perspetiva- 2015.aspx 2. Portugal. Saúde Mental em números – 2014. Programa Nacional para a Saúde Mental. Direção-Geral de Saúde. Disponível em: https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-de-saude/publicacoes/portugal-saude-mental-em-numeros-2014-pdf.aspx 3. Norma 033/2012 Terapêutica Farmacológica de Manutenção na Perturbação Bipolar no Adulto. Direção-Geral de Saúde. Lisboa 28/12/2012. Disponível em: https://www.dgs.pt/normas-clinicas/normas-clinicas.aspx *Médica de Família, USF da Cova da Piedade, ACES Almada Seixal. Assistente Convidada do Departamento de MGF da FCM UNL NOTA DA DIRECÇÃO Antes de mais, e porque estamos ainda nos primeiros dias de 2016, queremos desejar um Bom Ano a todos os nossos leitores. E para começar esta primeira edição do novo ano, pensamos que nada será melhor do que lhes dar esta boa notícia: num estudo de audiência realizado em finais de 2015, a Postgraduate Medicine ocupou uma vez mais a liderança entre todas as publicações médicas portuguesas de conteúdo científico e dirigidas à Medicina Geral e Familiar. Não é uma situação nova já que, desde que foi lançada, em janeiro de 1994, a Postgraduate Medicine, tem obtido de forma ininterrupta esta posição. Trata-se de uma prova irrefutável que, quando se pede aos médicos para se pronunciarem sobre o que gostam de ler, a escolha recai em publicações que vão ao encontro das suas necessidades de atualização e formação provenientes das melhores fontes de divulgação destes conteúdos a nível mundial. No entanto, se a esta boa notícia devia corresponder uma saudável situação económica, infelizmente, e por mais paradoxal do que devia suceder, a Postgraduate Medicine está a lutar com as dificuldades inerentes a uma gradual e cada vez mais profunda diminuição da sua quase única fonte de financiamento: a venda da publicidade. Na verdade, devido à drástica quebra no investimento publicitário por parte das companhias farmacêuticas no decurso dos últimos anos, a Postgraduate Medicine – tal como a generalidade da imprensa médica de caráter científico – tem vindo a sofrer a natural erosão económica proveniente desta terrível situação e só um grande respeito pelos leitores e a expectativa de que pudesse haver uma reversão permitiu que a mantivéssemos com uma periodicidade mensal (exceção de agosto em que nunca houve publicação). Goradas as expectativas, e sem que vejamos hipóteses de alteração a curto ou médio prazo, somos obrigados a reduzir o número anual de edições para 6, ou seja, a partir de agora, a Postgraduate Medicine passará a ter uma periodicidade bimestral, sendo publicada nos meses de Janeiro, Março, Maio, Julho, Setembro e Novembro. Face a esta alteração, o “Programa de Formação Médica Contínua” – validado curricularmente pela Faculdade de Ciências Médicas da Nova Medical School – irá sofrer o ajustamento correspondente aos 6 testes anuais, passando a atribuição do Diploma de Mérito a ser dado aos participantes que tiverem obtido um mínimo de 80% em, pelo menos, 5 testes anuais. Esperamos desta forma conseguir manter a regular publicação da Postgraduate Medicine sem defraudar a qualidade, rigor e pontualidade com que habituamos os nossos leitores ao longo dos seus 22 anos de existência. |