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EditorialSetembro-Outubro 2019 | Volume 48 — Número 5
Segurança do doente: uma prioridade de saúde global
Edmundo Bragança de Sá “Primum non nocere” ou o princípio da não-maleficência é um dos cinco princípios fundamentais da ética biomédica e dos cuidados de saúde, a par dos princípios da beneficência, da autonomia, da justiça e da precaução. No entanto, vários estudos publicados em países desenvolvidos têm revelado que um número significativo de doentes são vítimas dos próprios cuidados de saúde, resultando em lesões permanentes, prolongamento do internamento hospitalar, incapacidade ou mesmo morte. Estudos recentes revelaram que os erros médicos constituem a terceira causa principal de morte nos Estados Unidos e no Reino Unido e, em média, ocorre um efeito adverso em cada 35 segundos como resultado dos cuidados de saúde recebidos. Nos países em desenvolvimento, ou subdesenvolvidos outros fatores, como falta de recursos humanos, falta de infraestruturas e de equipamento, excesso de doentes e deficientes condições higiénico-sanitárias agravam ainda mais a ocorrência de efeitos adversos nos cuidados de saúde. Globalmente, estes efeitos resultantes da prestação de cuidados de saúde constituem a 14.ª causa de morbilidade e mortalidade em todo o mundo. Conscientes de que a segurança dos doentes deve ser uma prioridade de saúde global, os Estados membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) designaram o dia 17 de Setembro como Dia Mundial para a Segurança do Doente, a ser celebrado anualmente. Enquanto viajar de avião tem um risco de acidente de 1 em 1 milhão, o risco de ter um efeito adverso resultante dos cuidados de saúde recebidos é de 1 em 300. Cerca de metade da morbilidade por efeitos adversos resulta de cuidados prestados em ambulatório e designadamente nos Cuidados de Saúde Primários, sendo que 80% desses efeitos adversos poderiam ser prevenidos. Em termos hospitalares, 1 em cada 10 doentes internados sofrem efeitos adversos (incluindo tromboembolismo venoso, úlceras de pressão e infeções) que poderiam ser evitáveis em pelo menos 50% dos casos. A prestação de cuidados de saúde pouco seguros resulta em perdas de vida, incapacidade permanente, perda de produtividade dos doentes e famílias afetadas, distúrbios psicológicos nos doentes e suas famílias, aumento das despesas de saúde, para além de um problema não menos grave que é a perda de confiança, credibilidade e reputação nos serviços de saúde. Os efeitos adversos mais frequentes durante a prestação de cuidados de saúde estão relacionados com procedimentos cirúrgicos (27%), a toma de medicamentos (18,3%) e as infeções associadas aos Cuidados de Saúde (IACS) (12,2%). As IACS são infeções adquiridas pelos doentes em consequência dos cuidados e procedimentos de saúde prestados e que podem também afetar os profissionais de saúde durante o exercício da sua atividade. Por vezes, estas infeções são também denominadas de infeções nosocomiais, apesar de esta designação não ser inteiramente abrangente por excluir o ambulatório. O conceito de IACS é, por isso, mais abrangente já que se refere a todas as unidades prestadoras de cuidados de saúde. Apesar das melhorias verificadas nos cuidados perioperatórios e anestésicos cerca de 7 milhões de pessoas apresentam anualmente complicações cirúrgicas incapacitantes das quais mais de um milhão delas acaba por morrer. Os efeitos adversos relacionados com a medicação incluem erros de prescrição, na transcrição, na dispensa e na toma dos medicamentos, reações secundárias e interações e os seus custos (sem contar com outros custos indiretos, como perda de anos de vida e de produtividade) estão globalmente calculados em 42 mil milhões de dólares por ano o que constitui quase 1% das despesas globais de saúde. Entre 5 a 50% dos erros médicos nos Cuidados de Saúde Primários resultam de erros administrativos associados aos sistemas e processos de prestação de cuidados. Também a utilização de radiações ionizantes em medicina constitui uma preocupação para a segurança dos doentes (e dos profissionais de saúde) já que são a maior fonte artificial de exposição a radiações. De facto, em cada ano há cerca de 3,6 mil milhões de exames radiológicos realizados em todo o mundo (10% dos quais em crianças) para além de 7,5 milhões de intervenções de radioterapia e de 37 milhões de procedimentos de medicina nuclear. Outro fator que afeta de forma adversa a prestação de cuidados de saúde e a segurança dos doentes são os diagnósticos inadequados ou atrasados. Alguns estudos revelam que, por ano, pelo menos 5% dos adultos em consultas de ambulatório nos Estados Unidos têm diagnósticos errados. Também as revisões dos registos médicos de doentes internados sugerem que os erros de diagnóstico constituem 6 a 17% dos efeitos adversos que ocorrem durante a prestação de cuidados de saúde hospitalares. Os recursos necessários para melhorar a segurança dos doentes são largamente ultrapassados pelos custos resultantes dos efeitos adversos durante a prestação dos cuidados de saúde. Investir em estratégias para garantir a segurança dos cuidados de saúde tem um bom retorno e gera mais-valias sobretudo quando os recursos de saúde são limitados. Por exemplo, medidas simples e de baixo custo para prevenção e controlo das infeções, como a higiene adequada das mãos (incluindo o corte das unhas e lavagem frequente das mãos) podem reduzir as IACS em mais de 50%. A coordenação dos cuidados de saúde, a articulação entre os diversos prestadores e a integração dos cuidados são áreas que devem ser desenvolvidas e que contribuem para uma maior segurança dos cuidados de saúde. Também o envolvimento dos doentes é um aspeto fundamental. As tomadas de decisão partilhadas, o acesso dos doentes à sua ficha clínica e os programas de literacia na saúde são exemplos que podem reduzir os efeitos adversos em até 15% constituindo uma poupança de milhões de euros por ano. Por cá, integrado na Estratégia Nacional para a Qualidade da Saúde, o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2015-2020, criado pelo Despacho n.º 1400-A/2015, de 10 de fevereiro de 2015, segue de perto as recomendações do Conselho da União Europeia sobre a segurança dos doentes. O Plano visa melhorar a prestação de cuidados de saúde em todos os níveis, de forma integrada, e onde a segurança é considerada um dos elementos fundamentais da qualidade em saúde, permitindo aferir a confiança dos cidadãos no sistema de saúde e, em particular, no Serviço Nacional de Saúde. O Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2015-2020, visa atingir os seguintes objetivos estratégicos: 1. Aumentar a cultura de segurança do ambiente interno; 2. Aumentar a segurança da comunicação; 3. Aumentar a segurança cirúrgica; 4. Aumentar a segurança na utilização da medicação; 5. Assegurar a identificação inequívoca dos doentes; 6. Prevenir a ocorrência de quedas; 7. Prevenir a ocorrência de úlceras de pressão; 8. Assegurar a prática sistemática de notificação, análise e prevenção de incidentes; 9. Prevenir e controlar as infeções e as resistências aos antimicrobianos. Bibliografia 1. Patient safety: Making health care safer. Geneva: World Health Organization; 2017 2. Ten facts on patient safety, World Health Organization, https:// www.who.int/features/factfiles/patient_safety/en 3. Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2015-2020, https://www.dgs.pt/qualidade-e-seguranca/seguranca-dos-doentes/plano-nacional-para-a-seguranca-dos-doentes-2015-2020.asp 4. Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infeção Associada aos Cuidados de Saúde. DGS, 2007. https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/programa-nacional-de-prevencao-e-controlo-da-infeccao-associada-aos-cuidados-de-saude.aspx |