EditorialOutubro 2014 | Volume 42 — Número 3
Ébola: conhecer o vírus para melhor o combater
Edmundo Bragança de Sá Quase 10 anos se passaram desde que, pela última vez, o mundo esteve sujeito a uma terrível ameaça viral. Dessa vez, como todos certamente se recordarão, foi o Vírus da Influenza H5N1 e estávamos em 2005/2006. Eis que, num curto espaço de tempo, estamos novamente confrontados com a rápida propagação de um outro vírus, o Ébola, cuja doença, inicialmente conhecida por febre hemorrágica do Ébola, é frequentemente fatal nos seres humanos. O vírus Ébola pertence à família Filoviridae que inclui os géneros Cuevavírus, Marburgvírus e Ebolavirus. O primeiro surto de filovirose foi reconhecido na Alemanha, em 1967, quando um grupo de investigadores de um laboratório que trabalhava com macacos desenvolveu uma febre hemorrágica atingindo 31 pessoas, das quais 7 morreram. Depois deste surto inicial, o Marburgvírus praticamente desapareceu para reemergir em 1975, em casos esporádicos, e em dois surtos em 1999 (Congo) e em 2005 (Angola). O primeiro surto do Ebolavírus teve lugar em 1976 numa região próxima do Rio Ébola no Zaire (atualmente Republica Democrática do Congo) e no sul do Sudão. Desde então cinco espécies foram identificadas: Zaire, Bundibugyo, Sudão, Reston e Taï Forest, mas apenas as três primeiras estão associadas a surtos endémicos e epidémicos, designadamente no Congo, Uganda e Gabão com elevada letalidade (90% para a espécie Zaire e 50% para a espécie Sudão). O atual surto, atribuído à espécie Zaire, e que teve início em março deste ano na Guiné-Conacry, é o maior, mais complexo e de expansão mundial. Isso advém do facto de ter começado em países com sistemas de saúde deficitários, com barreiras culturais que dificultam a educação da população e pelo facto de a maior parte dos casos resultar da transmissão pessoa-a-pessoa. Os dois casos de contágio registados até ao momento fora de África, um em Espanha e outro nos Estados Unidos, resultaram precisamente de transmissões pessoa-a-pessoa. Pensa-se que os hospedeiros naturais do vírus Ébola sejam os morcegos da família Pteropopidae e que foi introduzido nos humanos pelo contacto próximo com sangue, secreções órgãos e outros fluidos de animais infetados, como chimpanzés, gorilas, antílopes e porcos-espinhos. A transmissão pessoa-a-pessoa não segue o padrão das infeções aéreas, como o vírus da influenza ou do bacilo da tuberculose. É necessário um contacto próximo (inferior a 1 metro) ou direto com o sangue, fezes e outros fluidos corporais da pessoa infetada (incluindo vómitos, esperma e leite materno) ou indireto através de superfícies e materiais contaminados (por exemplo, lençóis e roupas). A entrada do vírus pode ser feita através das mucosas ou de soluções de continuidade na pele. O período de transmissão pessoa-a-pessoa começa com o desenvolvimento dos primeiros sintomas (cerca de 2 a 21 dias após a infeção) e persiste enquanto houver vírus nos fluidos corporais. Por exemplo, no homem que consegue recuperar da doença, o vírus pode persistir no esperma durante cerca de 2 a 3 meses. Para se considerar que uma pessoa é um caso suspeito de doença pelo vírus Ébola deve apresentar critérios clínicos e epidemiológicos. Os critérios clínicos incluem a febre de início súbito e, pelo menos, mais um dos seguintes sintomas ou sinais: mialgias, astenia, cãibras, odinofagia; vómitos, diarreia, anorexia, dor abdominal; cefaleias, confusão, prostração; conjuntivite, faringe hiperemiada; exantema maculopapular, predominante no tronco; tosse, dor torácica, dificuldade respiratória e ou dispneia; hemorragias. Em estádios mais avançados da doença pode ocorrer insuficiência renal e hepática, distúrbios da coagulação, entre os quais coagulação intravascular disseminada (CID) e evolução para falência multiorgânica. Os critérios epidemiológicos são uma história de viagem recente, escala ou residência nos 21 dias antes do início dos sintomas na Guiné-Conacry, Libéria, Serra Leoa, Nigéria ou noutros países onde tenham sido notificados casos suspeitos ou confirmados de infeção por vírus Ébola. Estão também incluídas as situações de contacto próximo com um doente infetado por vírus ou com objetos ou materiais contaminados. Os achados laboratoriais incluem leucopenia, trombocitopenia e elevação das transaminases. A confirmação diagnóstica pode ser feita pela pesquiza de anticorpos por ELISA ou deteção de antigénios virais ou do vírus por PCR ou microscopia eletrónica ou ainda por cultura viral. Apesar de estarem em avaliação muitos tratamentos potenciais (incluindo, derivados do sangue, imunoterapias, fármacos e 2 vacinas), continua, até ao momento, a não haver nenhum tratamento com eficácia comprovada contra a infeção. Por isso, o atual combate assenta em três pilares fundamentais: 1) Redução do risco de transmissão humana a partir de animais selvagens evitando o contacto com animais mortos e o consumo da sua carne crua ou mal cozinhada. 2) Redução do risco de transmissão pessoa-a-pessoa evitando o contacto direto com os fluidos corporais de pessoas infetadas com sintomas ou ainda o contato com materiais, objetos e roupas pertencentes a essas pessoas. A lavagem frequente das mãos é fortemente recomendada. 3) Medidas de contenção do surto incluem o enterramento imediato e de forma adequada dos mortos pela doença, o isolamento dos contactos durante 21 dias, e a manutenção de um ambiente limpo e seguro. Em Portugal, perante um caso suspeito, deverá ser contactada a Direção Geral de Saúde através do telefone 300 015 015, para validação da suspeição ou ainda pela linha Saúde 24 (808 24 24 24). Os hospitais de referência para a doença por vírus Ébola são o Hospital de São João (adultos e pediatria) no Porto e o Hospital Curry Cabral (adultos) e Hospital D. Estefânia (pediatria) em Lisboa. Com a experiência que nos advém das epidemias anteriores e os avanços científicos no conhecimento do vírus, estamos convencidos que a batalha contra o Ébola sairá vencedora a muito curto prazo. Fontes de informação http://www.dgs.pt/paginas-de-sistema/saude-de-a-a-z/ebola.aspx http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs103/en/ |