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EditorialJulho-Agosto 2022 | Volume 51 - Número 4
Nem medicalizar nem negligenciar o sofrimento da mulher
José Mendes Nunes Esta edição de PGM é dedicado à saúde da mulher. A dismenorreia afeta 50 a 90% das mulheres em idade reprodutiva e é uma das queixas mais frequentes do foro ginecológico. Pela sua frequência e pelo impacto que tem no dia-a-dia da mulher, os legisladores espanhóis aprovaram no respetivo parlamento uma lei que concede o direito a baixa laboral às mulheres com dores menstruais incapacitantes reconhecendo, deste modo, o seu sofrimento. Para além disso, o diagnóstico das suas causas e o seu tratamento desafiam a competência do clínico. As doenças vulvares, também frequentes na clínica, muitas vezes não são referidas pela doente por pudor ou vergonha. O sofrimento da doente é muitas vezes ampliado pelos seus medos, ruminando na ideia de que as queixas só podem traduzir algo de grave sem conseguir verbalizá-las quando em consulta. O cancro da mama tem muito poucas medidas preventivas, pelo que a principal estratégia para o seu combate é o diagnóstico precoce, que inclui o seu rastreio. No entanto, apesar da implementação do rastreio da neoplasia da mama já ter um longo historial, as dúvidas persistem e até com alguma controvérsia. Por isso, publicamos um artigo com as perguntas e respostas mais frequentes sobre o assunto, para além de uma revisão sobre outras intervenções e procedimentos indicados para preservar e promover a saúde da mulher em idade fértil. Como extrassimpósio da saúde da mulher publicamos uma atualização sobre as onicomicoses, problema frequente na prática da MGF, e sobre a apendicite cujo diagnóstico assenta sobretudo na suspeição clínica e a decisão na minimização do arrependimento, i.e, uma vez ventilada a hipótese de diagnóstico a decisão deve ser a referenciação. Ao falar de doenças da mulher sublinho a importância de cada clínico conhecer os seus fatores de enviesamento de diagnóstico. O médico de família deve ter a consciência de quão determinantes são as suas ideias, crenças, medos, preconceitos e experiência na definição de diagnósticos. Se o género do paciente condiciona o julgamento do clínico, também o género do médico pode enviesar no diagnóstico e na escolha da terapêutica. Os estudos demonstram que a mulher, em comparação com o homem, tem uma probabilidade muito maior de ser medicalizada, mas, por outro lado, também corre o risco de ter patologias graves tardiamente diagnosticadas como, por exemplo, o enfarte do miocárdio. Portanto, as mulheres estão mais sujeitas a receber pseudodiagnósticos e sofrer atraso no reconhecimento de patologias severas. O médico de família, nas suas decisões clínicas, deve procurar conhecer os seus estereótipos, a forma com tendencialmente reage em determinadas situações e com determinado tipo de pessoas, e ter a consciência que as suas emoções interferem nas suas decisões, para se poder proteger, a si e aos seus doentes. |