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EditorialJulho-Agosto 2019 | Volume 48 — Número 4
O Médico de Família e a Saúde da Mulher
João Sá Monteiro* A saúde da mulher tem sido alvo de sensibilização crescente por parte da comunidade médica, especialmente desde a sua emancipação. Entre os dias 1 e 7 de agosto, comemora-se a Semana Mundial do Aleitamento Materno, tema com bastante relevância e muitas vezes negligenciado pela sociedade moderna onde a mulher cada vez mais assume um papel ativo. Papel esse que ganhou ênfase, quando a 26 de agosto de 1789, em França, se deu a ratificação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que defendia a igualdade de género – dia que ainda hoje é comemorado em muitos países como o Dia Internacional da Igualdade Feminina. No mundo ocidental, as exigências e dificuldades em casa, no emprego e na vida social, são cada vez maiores, pelo que a promoção da saúde e prevenção da doença na mulher são fundamentais. O médico de família (MF) assume um papel essencial na continuidade da prestação de cuidados de saúde à mulher, ao longo do seu ciclo de vida. Da infância à menopausa, o MF proporciona cuidados de saúde centrados na utente e na família, inicialmente, através da consulta de Saúde Infantil e Juvenil em que é avaliado o desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor da criança, bem como outros medidas de prevenção primária como a vacinação. A vacinação contra a infeção por vírus do papiloma humano está contemplada no Plano Nacional de Vacinação (PNV) para as mulheres aos 10 anos de idade, com um esquema posológico de 2 doses com intervalo de 6 meses, podendo ser iniciada ao abrigo no PNV até aos 17 anos e concluída até aos 26 anos. Na adolescência, aquando da puberdade, é altura de dar lugar à consulta de Planeamento Familiar com vista ao aconselhamento sobre métodos contracetivos e questões relacionadas com a sexualidade, sendo que em Portugal a maioria das mulheres procuram informação sobre contraceção através do MF. Sendo o tabagismo um fator de risco para o cancro do colo do útero (CCU) e a ter em conta na recomendação de contracetivos, é pertinente abordar a cessação tabágica em todas as consultas. A consulta de Saúde Materna tem como objetivo principal a vigilância da gravidez de baixo risco. Esta é uma etapa do ciclo de vida em que se cruzam vários fatores, uma verdadeira oportunidade para identificar e alterar situações de risco de doença futura, como o tabagismo, a pré-eclâmpsia e a diabetes gestacional. Outro aspeto a ter em conta nas consultas de saúde da mulher são os rastreios, que se realizam transversalmente ao longo da vida. O rastreio do CCU é realizado, de 3 em 3 anos através da citologia esfoliativa de células ou do teste de pesquisa do papiloma vírus humano, de 5 em 5 anos. O rastreio do cancro da mama é realizado através da mamografia, de 2 em 2 anos, sendo este o único método de rastreio que parece ser eficaz e não estando atualmente recomendada a auto-palpação mamária. Apesar da evidência de que os programas de rastreio organizado podem reduzir a mortalidade por cancro da mama em cerca de 20%, a sua realização nos extremos da idade parece acarretar mais riscos que benefícios. Existe incerteza sobre a magnitude dos danos, particularmente no sobrediagnóstico e sobretratamento, estimando-se que cerca de metade dos cancros da mama identificados por rastreio correspondem a sobrediagnóstico. O rastreio do cancro do cólon e reto destina-se à população de ambos os sexos com idade entre 50 e 74 anos, em que o teste primário é a pesquisa de sangue oculto nas fezes, pelo método imunoquímico, a realizar de 2 em 2 anos. Ao invés deste método pode optar-se pela colonoscopia total a realizar de 10 em 10 anos. Ainda no que a rastreios diz respeito, existe evidência de que o aconselhamento sobre defesa e empowerment é eficaz na prevenção e/ou redução da violência praticada pelo parceiro íntimo. A violência contra as mulheres é um problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 1 em cada 3 mulheres em todo o mundo são alvo de violência física ou sexual. Esta pode afetar negativamente a saúde física, mental, sexual e reprodutiva das mulheres, podendo inclusivamente aumentar o risco de transmissão de VIH. A United States Preventive Services Task Force recomenda o rastreio para violência por parceiro íntimo a mulheres em idade reprodutiva e que os MF forneçam aconselhamento e/ou encaminhem as mulheres, que apresentem resultados positivos, para os serviços de apoio existentes. Por fim, mas não menos importante, a menopausa é um período muitas vezes desvalorizado embora associado a riscos de doenças importantes como a osteoporose. Perante fatores de risco para fragilidade óssea deve ser calculado o risco de fratura osteoporótica major e de fratura da anca através da ferramenta FRAX®, desenvolvida pela OMS, para avaliação da necessidade de realizar exames complementares (osteodensitometria óssea) ou mesmo iniciar terapêutica. Bibliografia https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30357305?dopt=Abstract https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women http://www.spginecologia.pt/uploads/AO_Avaliac-a-o-das-pra-ticas-contracetivas-PT.pdf https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1206809 http://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/view/11964/11310 *Interno do 3.º ano do Internato Médico de MGF. USF S. Julião, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras, ARS LVT |