EditorialJulho 2015 | Volume 44 — Número 1
A doença renal crónica em Portugal
Cristina Correia Silva* A doença renal crónica é definida pela presença de lesão renal (albuminúria elevada, anomalias no sedimento urinário, anomalias na imagiologia renal, anomalias da histologia renal e transplante renal) e/ ou diminuição da função renal (taxa de filtração glomerular <60mL/min/1.73m2) por três ou mais meses, independentemente da causa. A falência renal compreende os doentes renais crónicos com taxa de filtração glomerular <15mL/min/1.73m2 ou em tratamento dialítico (hemodiálise ou diálise peritoneal). Os fatores de risco da doença renal crónica incluem a diabetes, hipertensão arterial, doença cardiovascular e fatores de risco cardiovascular, história familiar de doença renal, exposição a fármacos nefrotóxicos, neoplasia, infeção pelo Vírus da Hepatite C ou pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, etc. Sugere-se o rastreio da doença renal crónica nos doentes de risco, através da albuminúria e da creatinémia (para estimar a taxa de filtração glomerular). A sumária de urina, ecografia renal e outros exames complementares de diagnóstico devem ser considerados caso-a-caso. Em Portugal, estima-se que cerca de 800 000 pessoas sofram de doença renal crónica. Importa contudo salientar que a maioria dos indivíduos com estádios iniciais da doença não são diagnosticados. Os doentes renais apresentam taxas mais elevadas de doença cardiovascular, falência renal e morte. A doença renal crónica é um fator de risco independente da doença coronária. Os eventos cardiovasculares são a principal causa de morte nos doentes em tratamento dialítico em Portugal (24.2% na hemodiálise e 23.1% na diálise peritoneal, no ano de 2014). Importa todavia clarificar que nem todos os doentes com doença renal crónica progredirão inevitavelmente para falência renal. Além da taxa de filtração glomerular e da albuminúria, a etiologia da doença renal, bem como outros fatores (idade, sexo, raça, níveis de colesterol, tabagismo e outros), condicionam o prognóstico renal. A referenciação à nefrologia deve ser considerada em todos os doentes renais crónicos com taxa de filtração glomerular <30mL/min/1.73m2 e, nos doentes renais crónicos com progressão da doença renal, albuminúria muito elevada (albuminúria ≥300mg/dia ou ratio albumina/creatinina urinária ≥300mg/g), hematúria de causa não urológica, hipertensão arterial resistente, doença renal hereditária (presuntiva ou confirmada). A deteção precoce e o encaminhamento deste grupo de doentes à nefrologia tem o potencial para reverter, atrasar ou evitar a progressão da doença, para além de manejar as complicações associadas à doença renal (anemia, doença mineal e óssea, etc) e planear o tratamento substitutivo da função renal (hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal). No ano de 2014, havia 18 703 doentes renais crónicos em tratamento substitutivo da função renal em Portugal. A etiologia mais frequente foi a nefropatia diabética (27.8%). O nosso país detém os lugares cimeiros de incidência da falência renal a nível europeu. Em 2014, iniciaram tratamento substitutivo da função renal 2473 doentes. A doença renal crónica é um alvo apropriado para prevenção e deteção precoce por médicos de medicina geral e familiar e, para coorientação entre a medicina geral e familiar e a nefrologia, nos estadios iniciais da doença renal. *Assistente Hospitalar de Nefrologia no Hospital do Espírito Santo E.P.E. Nefrologista Coordenadora no Centro de Diálise DaVita Beja. |