EditorialMarço 2015 | Volume 43 — Número 3
Notas sobre o Acompanhamento da Grávida em Medicina Geral e Familiar
Teresa Libório* O presente número da Edição Portuguesa da Postgraduate Medicine é dedicado a alguns dos problemas de saúde das grávidas. Aproveitando a oportunidade e, porque a gravidez constitui uma ocasião privilegiada de contacto com os serviços de saúde, e um momento ótimo para avaliação do estado de saúde dos casais e, mais aprofundadamente da mulher, vamos olhar, mais uma vez, alguns dos aspetos do acompanhamento da grávida de baixo risco (pontuação ≤2 da Escala de Goodwin modificada) em Cuidados de Saúde Primários. As áreas do acompanhamento que vamos abordar – exames laboratoriais, ecografias e ferropénia na gravidez (esta última pelas dúvidas levantadas, pela necessidade, ou não, de suplementação em Ferro) – são complementares à entrevista clínica, o gold standard da Medicina Geral e Familiar, que pode fundamentar a necessidade de algumas alterações, às normas emitidas pela Direção-Geral da Saúde, na nossa prática. Começando pelos exames laboratoriais o ideal é que haja sempre a possibilidade de realizar consulta pré-concecional (CPC), a área do Planeamento Familiar que mais falha, que deverá ser realizada com o casal ainda a fazer anticoncepção, pelo menos por 2 meses, para “termos tempo” de avaliar o seu estado de saúde e iniciar, à mulher, a suplementação com Ácido fólico, que previne os defeitos do tubo neural e, deve ser feita na fase de divisão celular rápida (1.º Trimestre da gravidez). Exames laboratoriais, seu nível de evidência (Ne) e grau de recomendação (Gr) e, fase da gravidez em que devem ser feitos: 1. Tipagem ABO e fator Rh - (Ne: B, Gr: I): CPC ou 1.a consulta pré-natal (CPN); 2. Pesquisa de Aglutininas irregulares (Teste de Coombs Indireto: pesquisa de Anticorpos antieritrocitários: anti-D e também anti-C, anti-Kell e anti-E) - (Ne: B, Gr: I): 1.º (±8 semanas) e 2.º Trimestres (24 a 28 semanas); 3. Hemograma completo - (Ne: B, Gr: I): 1.º, 2.º e 3.º Trimestres; 4. Rastreio da Diabetes gestacional - (Ne: B, Gr: I): Glicémia em jejum no 1.o Trimestre, PTGO no 2.º Trimestre; 5. Rastreio da Sífilis - VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) - (Ne: B, Gr: I): CPC e 1.º e 3.º Trimestres; 6. Rastreio da Rubéola (IgG e IgM) - (Ne: B, Gr: I): CPC ou 1.º Trimestre e, se a mulher não estiver imune, entre a 18 e as 20 semanas de gestação; 7. Rastreio da Toxoplasmose (IgG e IgM) - (Ne: C, Gr: II-a): CPC ou 1.o Trimestre e, se a mulher não estiver imune, 2.º e 3.º Trimestres; 8. Rastreio da Infeção VIH (Ac VIH 1 e 2) - (Ne: A, Gr: I): CPC e 1.º e 3.º Trimestres; 9. Rastreio da Hepatite B (Ag HBs) - (Ne: A, Gr: I): CPC ou 1.º Trimestre e, se a mulher não tiver vacina nem imunidade no 3.º Trimestre; 10. Rastreio da Bacteriúria assintomática (Urocultura) - (Ne: B, Gr: I): 1.º Trimestre; 11. Rastreio do Streptococcus hemolítico do grupo B (exsudado do 1/3 externo da vagina e ano-retal) - (Ne: C, Gr: II-a): entre as 35 e as 37 semanas de gestação, a não ser que a grávida tenha tido urocultura positiva para o agente, nesta gravidez ou infeção em gravidez anterior (Septicémia do recém-nascido); 12. Rastreio do Cancro do colo do útero (citologia cervical) - (Ne: B, Gr: I): 1.o Trimestre, às grávidas com mais de 25 anos, que nunca tenham feito ou que o tenham feito há mais de 3 anos, depois de 2 exames anuais normais. Ecografias, fase da gravidez em que devem ser feitas, nível de evidência e grau de recomendação e parâmetros que avaliam: 1. Todos os trimestres - número de fetos e placentas; atividade cardíaca; movimentos fetais; biometria; localização da placenta e quantidade de líquido amniótico; 2. 1.º Trimestre - 11 a 13 semanas e 6 dias - (Ne: A, Gr: I): comprimento crânio-caudal; frequência cardíaca; medida da translucência da nuca; quantificação do risco de trissomia 21; anatomia do feto: pólo cefálico, coluna vertebral, estômago, parede abdominal e membros; corionicidade e anexos; 3. 2.º Trimestre - 20 a 22 semanas (Ne: A, Gr: I): contorno craniano e cérebro; face e pescoço; tórax; abdómen; coluna vertebral; membros superiores; membros inferiores e cordão umbilical: inserção e número de vasos; 4. 3.º Trimestre - 30 a 32 semanas (Ne: C, Gr: II-a): apresentação fetal; perímetro cefálico; perímetro abdominal; comprimento do fémur; estimativa ponderal e parâmetros biofísicos de avaliação do bem-estar fetal. Ferropénia na grávida: 1. Na gravidez, as necessidades de ferro aumentam devido ao crescimento, desenvolvimento fetoplacentar uterino e tecidular materno e, à expansão da volémia materna; 2. Anemia na grávida se: Hb <11g/dL nos 1.º e 3.º T; Hb <10,5g/dL no 2.º T; 3. Perante anemia ferropénica e anemia, normo ou microcítica, em doente portadora de hemoglobinopatia, se ferritina <70ng/mL, iniciar 100-200mg/dia de ferro oral; 4. Repetir Hb e ferritina após 8 semanas (resposta terapêutica se aumento da Hb 1-2g/dL em 2 semanas); 5. Uma vez normalizada a Hb, continuar mais 4 a 6 meses até ferritina ≥ 50ng/mL. Fica a questão, porquê fazer suplementos de ferro em grávidas que não têm anemia? Bibliografia Direção-Geral da Saúde. Exames laboratoriais na Gravidez de Baixo Risco: Norma Nº 37/2011, de 30/9/2011, atualizada em 20/12/2013. Lisboa: DGS; 2013. Direção-Geral da Saúde. Exames ecográficos na Gravidez de baixo risco: Norma Nº 023/2011, de 29/9/2011, atualizada em 21/05/2013. Lisboa: DGS; 2013. Direção-Geral da Saúde. Abordagem, Diagnóstico e Tratamento da Ferropénia no Adulto: Norma Nº 030/2013, de 31/12/2013, atualizada em 16/01/2015. Lisboa: DGS; 2015. *Médica de Família, USF S. Julião – ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras Assistente convidada de MGF da Faculdade de Ciências Médicas da UNLisboa |